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A Prova de Tudo: Retorno ao Passado Perdido

Por Marcelo Pereira

Adoro aquele programa que ensina técnicas de sobrevivência. Além de ser útil e bastante didático, ele prende a atenção, já que mostra como o apresentador, um ex-militar britânico, se sai das mais diversas e perigosas situações.

Me imaginei ligando a TV na hora que passa o citado programa, vendo uma edição totalmente diferente e que para a minha vida pessoal, está sendo de grande utilidade. Vamos ao programa:

A Prova de Tudo: Retorno ao Passado Perdido

Oi, eu sou Bear Grylls e servi o Exército Britânico. Hoje vou ensinar a sobreviver quando você retorna a cidade onde você passou boa parte da juventude, mas ao voltar repara que as mudanças foram muito grandes.

Chego junto com o caminhão de mudança e me instalo na minha nova residência. Já noto que o bairro mudou muito desde que deixei a cidade, há quase 20 anos. Com os móveis devidamente colocados no lugar, saio para fazer uma compras para me alimentar, pois cheguei faminto.

Noto que no supermercado, faltam os produtos que eu sempre costumava comprar. Não, eles não saíram de linha, apenas estão faltando no estoque. Muito chato, pois na outra cidade onde morei antes de voltar, nunca faltaram meus alimentos favoritos. A dica, infelizmente, é me contantar com outros produtos, menos gostosos e menos nutritivos.

Resolvo tirar um cochilo de tarde, já que a viagem cansou muito. Só que me esqueci que hoje de tarde há um jogo de futebol com o time mais popular da cidade. Eu estava a fim de dormir, não de ver jogo algum. Quando consigo pegar no sono, um ensurdecedor ruído que atinge os decibéis de um avião supersônico decolando da janela de minha casa, me desperta com rapidez. Eram os torcedores berrando por causa de um gol. E noto que com o andamento do jogo, a vizinhança se torna cada vez mais barulhenta.

O que fazer numa hora dessas? Bom não tenho dinheiro nem tempo para instalar uma proteção acústica nas janelas e paredes de minha casa. O jeito é pegar meu celular, meu fone de ouvido e ouvir meu mp3. Adio a minha sesta, mas pelo menos não sofro com os gritos primatas que se espalham pela redondeza.

O jogo acaba e decido dar uma saída para preparar a refeição noturna. Antes de chegar no supermercado, reencontro amigos de adolescência, em várias oportunidades pelo caminho. Uns não se lembrar de mim. Outros estão completamente mudados. E ainda há os que nem querem contato comigo, mostrando-se incomodados ao me verem. Nenhum deles me recebeu com o carinho da saudade. 20 anos se passaram e estou em outra. Solução? Esquecer os amigos do passado e tentar fazer novos amigos.

E é isso que vou tentar através da internet, ao chegar em casa. Ligo o meu computador e entro na rede social mais popular. Só que os moradores da cidade que estão lá só postam mensagens tolas, assumem ideias reprováveis e comportamento que... Hummm... Não consigo achar a palavra para classificar, de tão ruins que são. Esqueçamos as amizades. Como nas minhas aventuras, terei que me contentar comigo mesmo.

Acordo no dia seguinte com a vizinhança fazendo uma estranha batida que lembra o cruzamento de macumba e  de um motor de carro pifando. Ela é acompanhada de uma voz que parece cantar com um ovo na boca, citando impropérios e palavras de baixo calão. Soube depois que isso é a forma de "cultura" mais evoluída da localidade e apesar da grande rejeição social, ela é protegida por autoridades, intelectuais e artistas, que enxergam nela uma criatividade intelectual que eu não consegui enxergar. Tenho visto cada coisa por aí, mas essa batida irritante, ultrapassou os limites do bom senso.

Resolvo sair para fugir do barulho e decido pegar um ônibus. Como todos os ônibus agora só possuem uma única pintura, me atrapalho todo para identificar, já que as bandeiras dianteiras estão meio apagadas, quase ilegíveis e não há informações na lateral e na traseira. Após perder o desconto do bilhete único (que tive a precaução de fazer antes de retornar à cidade) e pegar o ônibus errado, salto cerca de 30 km distante do ponto para pegar o ônibus certo. Cansado e irritado, consigo pegar o ônibus certo, dobrando a atenção para os mínimos detalhes para compensar a pintura confusa.

Ao chegar no centro da cidade, noto uma sujeira sem tamanho que me faz pensar se eu não estou no meio de um aterro sanitário. Após pegar uma vez o ônibus errado, comecei a acreditar que novamente tinha pego outro errado. Não. Este é o centro da cidade mesmo, onde eu queria ir.

Ao chegar no banco para retirar o dinheiro, sou surpreendido com a informação que teria que ir à sede para resolver o problema do cartão vencido. Só que a sede fica na cidade vizinha e teria que gastar um bom dinheiro com passagem para me deslocar até lá. Engraçado que meu dinheiro estava acabando e precisava do cartão para retirar ais dinheiro. Com o dinheiro bem trocado fui, tentando enganar o cobrador-motorista - ué, cadê o cobrador? - tendo 10 centavos a menos do que a tarifa pedia. 

Chegando a sede do banco, consigo resolver o problema do cartão. Feliz, decido ir a um bairro onde fica o maior shopping da cidade. Quando eu salto do ônibus, cai uma verdadeira tempestade com trovoadas incessantes e bem violentas. Como do ponto ao shopping tenho que passar por uma área plana sem teto, sou atingido por um raio. Caio no chão e fico inconsciente durante alguns minutos. Sem qualquer sequela e socorrido por transeuntes, me recupero rápido e vou ao shopping após atendimento médico pelo SAMU. 

Após o passeio no shopping, no final de tarde, decido procurar um ônibus para voltar para casa. E mais: surpresa!!! No mesmo dia, o prefeito havia decidido mudar o trajeto de inúmeras linhas por causa de uma grande obra. A linha de ônibus que me levaria ao terminal que tinha o outro ônibus que me levaria para a casa, foi imediatamente extinta e tive que andar algumas léguas para pegar um outro para o mesmo terminal. No terminal, pego o ônibus para a minha casa, superlotado como uma lata de sardinha e ainda tenho que encarar um enorme engarrafamento que me faz chegar em casa às 2h da manhã. Ao som de um tiroteio que felizmente não me atinge.

Ao acordar no dia seguinte, tomo a difícil decisão: voltar para onde eu estava morando antes. Retornar a minha terra não foi uma boa. Sobrevivi diante de inúmeros perigos e desconfortos, mas o que a minha cidade oferece hoje vai me esquartejar em pedaços! Chega da minha cidade da adolescência. 

Bem que diziam os arqueólogos sobre as maldições das pirâmides: mexer com o passado dá nisso!

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OBS: Inspirado na minha volta a Niterói, que aniversaria hoje, que mudou muito em relação a minha vida da adolescência, usando o famoso programa de TV A Prova de Tudo (Man vs. Wild) como forma de narrativa. Os problemas são realmente existentes, embora não tenha passado por todas as experiências narradas pelo Bear Grylls fictício.

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