Por Marcelo Pereira
Acordei bem hoje. Um pouco cansado, mas bem. Custei a levantar porque andar longas distâncias deixa muito cansado, refletindo na manhã seguinte. Mas não posso me desanimar. Aparentemente, sou o único nesta cidade e tenho que agir.
O hotel é bem confortável. Como não tem ninguém, pude entrar facilmente no lugar e escolher um quarto em andar baixo, já que a falta de energia desligou os elevadores. Foi fácil escolher e escolhi um quarto bom. Nem precisei arrombar, pois a chave estava a minha disposição no saguão abandonado. Só tive que fazer uma pequena faxina, pois a poeira estava em todo lugar.
Ao descer fui ao restaurante do hotel e procurei o fogão, que ainda tinha bastante gás. Legal, devo almoçar por aqui quando a manhã terminar. Peguei um lombinho de porco para colocar como recheio no pão e assei no forno, ligado por um fósforo que havia no estoque. Após o delicioso café da manhã com frutas, pão e um delicioso suco de abacaxi, peguei a Phoebe com a sua coleira e fui para a rua andar.
Eu não falei como conheci a Phoebe. Bom, eu disse que ela me seguiu e demonstrou afeto por mim. Cachorros sempre são mais afetuosos que gatos e por isso sempre gostai mais dos primeiros. E Phoebe é ainda um filhote, sem cães adultos para cuidar. Somos somente nós, eu cuidando dela e ela de mim. Somos, como disse antes, uma família.
Mas para entender como conheci Phoebe, é preciso falar como perdi meus parentes. Para começar, nunca casei, apesar de estar começando os 40 anos.Bom, tenho 41. Morava com meus pais porque meu emprego não dava para comprar uma casa. Até poderia viver de aluguel, pois ganhava bem.
Mas queria ver dinheiro sobrando para eu viajar nos finais de semana, conhecer novos lugares e pessoas. Afinal, turismo é o meu principal hobby. Turismo e fotografia. E fotografei muitos em minhas viagens. Felizmente, meu acervo está todo guardado em lugar tranquilo, com cópia em algum servidor estrangeiro da internet, já que meu servidor é estrangeiro e em outros países está tudo normalizado.
Minha família era eu, um irmão e uma irmã. Meu irmão era o mais velho, 3 a mais que eu e minha irmã, mais nova, cerca de dois a menos. Meus pais estavam ainda no primeiro e longo casamento e pretendiam fazer uma festa de renovação de votos. Mas veio a pandemia e os planos foram para o mais distante espaço sideral.
Nenhum deles sobreviveu. Minha irmã Cecília, que era louca por festas e aglomerações, foi a primeira a contrair a doença e a primeira a falecer. Meu irmão Edson pegou dela e morreu duas semanas após o falecimento dela. Mas foi a morte mais dramática pois ele soluçava e gritava com falta de ar, tendo convulsões durante uns cinco minutos após encerrar a sua vida com um grito de "Aaaahhh" como um suspiro alto.
Meu pai Hugo morreu após contrair a doença na rua, pois ele, aposentado, mas ganhando pouco, resolveu trabalhar como corretor de imóveis, acrescentando boa renda a sua remuneração. Como saia muito e falava com muitas pessoas, acabou contraindo e morreu, mas tranquilamente, de madrugada dormindo. Só soubemos da morte porque eu e minha mãe Stella tentamos acordá-lo sem sucesso.
Minha mãe não morreu da doença. Aparentemente não a contraiu, pois nem os sintomas se manifestaram. Ela morreu no final do mesmo dia que soubemos que meu pai morreu, pois ela ficou estressada com a morte dele e teve um ataque cardíaco fulminante.
Sem um cemitério para enterrar meus pais e meus irmãos, cave valas no quintal de trás de minha casa e os enterrei, cobrindo bem em cima, para parecer igual a antes de cavar. Depois recolhi bens pessoais e minhas coisas favoritas e coloquei em uma mochila, uma bolsa e uma mala grande com rodas.
Tranquei a casa e deixei os outros bens lá. A chave está comigo e sempre tenho a impressão que em algum futuro mais ou menos remoto, vou precisar da casa e do que tem lá. A casa está segura. Até porque sem pessoas, quem poderá violá-la?
Andei pela cidade a procura de comida. Comi muito mal, nervoso pelas mortes de meus pais. Até então eu não sabia que era o único na cidade. Pensei em pedir socorro, mas não via uma só alma. Tinha um punhado de dinheiro comigo, mas a cidade totalmente abandonada me permitiu pegar comida sem pagar em qualquer lugar.
Antes de me dirigir ao bairro comercial, já que eu morava relativamente longe, um filhote de pastor alemão veio correndo atrás de mim durante a caminhada, com aquela expressão facial que os cães mostram quando estão alegres. Percebi que o cão, que depois soube que era uma fêmea, me seguia. Para testar, eu mudava de direção e lá estava o cãozinho me acompanhando.
Resolvi parar e ela também parou. Olhou para mim, como se estivesse esperando uma resposta. Peguei um saco de salgadinhos de bacon que eu peguei em casa e ofereci a ela que comeu animadamente. Mas estranhamente o cãozinho queria que eu também comesse, pois parava e e olhava para mim. Comi também o salgadinho e ela se sentiu feliz.
Após comer, o cãozinho se encostou em minha perna como se fizesse um carinho e deu um latido meigo. Ao perceber que se tratava de uma cadelinha e que gostava de mim, dei o nome de Phoebe, que tinha boa pronuncia e era um nome bonito. Combinava com a meiguice da cadelinha. Desde então, nunca nos separamos e se eu me perco à distância, ela fica me procurando e só sossega quando me encontra. Foi amor recíproco a primeira vista.
Phoebe tem sido muito importante para mim. Curiosamente, vi outros animais na cidade. Outros cães, gatos, porcos e até insetos. Vi ratos e aranhas no hotel onde fiquei e consegui matar vários,. Os que não matei, se mandaram para longe. Mas somente Phoebe quis ficar comigo.
Hoje. pude andar bastante e descansar aos poucos nos lugares. Incluindo um delicioso almoço que consegui fazer com o que tinha na dispensa do hotel onde dormi. De volta ao hotel, que é a minha nova casa, pois ficava no centro, onde tinha os recursos necessários para a minha sobrevivência, resolvi ligar uma lanterna cuja pilha ainda estava cheia e li um livro sobre arquitetura.
Após ler o livro, resolvi dormir, após ouvir um latido meigo de Phoebe. Como se ela tivesse pedindo para eu dormir. Dormimos juntos após o apagar da lanterna. Pronto para o que acontecer no dia seguinte. Isto é, se alguma coisa acontecer. O que pode haver numa cidade totalmente vazia? Boa noite!
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