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Perdi um amigo que eu não tive

Por Marcelo Pereira

Quando eu era criança, um dos programas que gostava mais de assistir era o seriado Jornada nas Estrelas (Star Trek, no original). Quase não entendia nada daquilo, mas mesmo assim me divertia. Com o tempo fui entendendo e gostando mais ainda. Embora não seja um especialista trekker, me tornei fã da saga e sempre vejo quando encontro oportunidade, o seriado, os filmes e os spin-offs criados com o nome da saga.

Desde a infância, o personagem que mais chamou minha atenção era o Senhor Spock, que eu chamava na época de Doutor Spock. Claro que a aparência estranha e o jeitão de cara meio chateado eram  motivo. Mas com o tempo a admiração pelo orelhudo personagem ia aumentando, conforme eu fosse entendendo a função dele no seriado.

Essa admiração, além de aumentar, se estendeu ao ator. Apesar de conhecido por fazer Spock, fazendo muitos pensarem que fosse seu único personagem, Nimoy tinha uma carreira vasta, fez westerns, filmes bíblicos e ainda emprestou a sua cara de Spock ao Ford do telefilme baseado no famoso livro Admirável Mundo Novo, de Aldoux Huxley, que prevê a sociedade atual, ora em metáfora, ora em previsões literais, e que inspirou muitas outras obras, além do nome deste blogue. O nome do personagem não pode ser citado no telefilme para não criar problemas com a famosa marca de carros. Mas quem leu o livro, sacou que Nimoy era Ford.

Nimoy também era fotógrafo profissional (assim como o cantor Bryan Adams, outro que admiro) e poeta. Em ambas, deixava aflorar a sua surpreendente sensibilidade, coisa que justamente o seu mais famoso personagem não possuía. Tentou uma fracassada carreira musical, que foi para  ralo por não ser a vocação natural do talentoso ator. Mas o seu mais admirável papel estaria na vida real, como o simpático cidadão Leonard Nimoy.

Como gostaria de envelhecer como Nimoy. Jovial, angariou grande popularidade, graças a Spock. Não se vestia como velho e nem agia como tal, conquistando fãs e amigos cada vez mais jovens. Do contrário que se poderia esperar, ele adorava participar de eventos de ficção científica e não se incomodava em ser lembrado como "o eterno Senhor Spock".Afinal, Spock lhe abriu as portas e he trouxe fãs e consequentemente amigos.

E muitos amigos. Sua simpatia e jovialidade lhe permitia converter muitos fãs em amigos. Mantinha contatos com todos eles. Adorava a tecnologia e utilizava as redes sociais, que foi o meio que encontrou para a sua última despedida.

E para mim, ele foi o amigo que eu nunca tive. "Mas como? Ele nunca te conheceu, nem sabia que você existia!" perguntarão alguns a mim. Mas com certeza foi um grande amigo. Pelo menos era o que me parecia.

Ele me ajudou a entreter durante a infância. Seu exemplo de jovialidade e de sensibilidade me serviram como lições de vida. A personalidade do ator e o modo como encarava a cultura nerd, provam da capacidade de Nimoy ter sido meu amigo.

Tenho a certeza que Nimoy teria sido meu amigo se me conhecesse. Para mim, ele só representou alegrias. E mais, representou um grande exemplo de como envelhecer com dignidade, sem negar suas características pessoais. Envelheceu sem deixar de ser Leonard Nimoy.  Envelheceu sem deixar de ser Spock.

Sinto que eu perdi um amigo. Eu sou seu fã, mas poderia ter sido muito mais. 

E tenho a certeza que ele não morreu. Não, pois a morte não existe. Spock recebeu chamado do povo volcano e retornou a seu planeta. A nave veio, Spock se apresentou e teve que ir, após deixar uma curta, mas bela mensagem de despedida: "A vida é como um jardim. Momentos perfeitos podem existir, mas não  ser preservados, exceto na memória. LLAP". Brilhante.  Os verdadeiramente sábios costumam falar muito usando poucas palavras.

Nos veremos um dia em Volcano, Senhor Spock. Obrigado.

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