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Cinderelo da Várzea

Por Marcelo Pereira

Edejair era um jovem rapaz pobre. Filho de semi-indigentes que viviam de bicos, Edejair vivia ajudando o pai nos bicos que apareciam. Não tinha condições de estudar, pois além da falta de tempo e de dinheiro, a escola pública mais próxima ficava muito longe.

Mas gostava de jogar bola. Jogava bem. Como não tinha dinheiro nem para comprar uma bola barata, fez uma com um monte de tecidos velhos e jogava com os seus amigos, tão pobres quanto ele. Mas sonhava melhorar de vida e usar a unica coisa que sabia fazer melhor, jogar bola, para isso.

Numa noite em que ficou sozinho em casa, pois seus pais tiveram que sair para socorrer um parente doente em uma cidade vizinha, aparece um velho gordo e muito bem vestido com um terno caríssimo. Falava polidamente com uma voz levemente rouca. Edejair ficou atônito. 

- Quem é o senhor? O que deseja? - perguntou o jovem.

- Sou seu Fado-Padrinho, Rubinaldo de Aguiar. A seu dispor.

- Meu Fado-Padrinho? Eu não pedi Fado-Padrinho.

- As estrelas do céu tem ouvidos. Você quer ser jogador de futebol?

- Sim, é meu maior sonho.

- Rapaz, eu e meus patrocinadores temos condições de realizar. Se apresente na sede do Piramboca FC que eu estarei lá.

- Tu-tudo-bem. - diz Edejair, pasmo. - Mas não tenho dinheiro para passagem.

- Tome o dinherio para se deslocar até lá. Estarei te aguardando.

Na manhã seguinte Edejair chega a sede. Era um sonho como nunca tinha visto antes. Um prédio mediano, mas chique para os padrões da cidade onde o jovem morava. Estranhou que estava vazio. Vazio, mas aberto. Resolveu entrar. 

Numa arquibancada perto do campo senta em uma cadeira e como um passe de mágica, Rubinaldo aparece de repente.

- Aqui está você, meu jovem!

- Oi, Fado-Padrinho! 

- Um futuro glorioso te espera. 

- Si-si-sim?

- Aqui está a bola. Mostre o que sabe fazer.

Edejair ficou hesitante, pois nunca tinha visto uma bola profissional de perto. Resolveu segurá-la para ganhar intimidade e após poucos minutos, resolve testá-la. Dá um show. Rubinaldo elogia o rapaz.

- Joga muito bem, jovem. 

- O-obrigado!

- Fique aqui. Vou pegar a varinha.

Rubinaldo pega uma varinha, semelhante aos que os mágicos usam. Aponta para a cabeça de Edejair que começa a tremer feito um epiléptico. Sua aparência começa a mudar.

O franzino rapaz vê seu tronco esticar e o tórax se alargar. Seus dentes carcomidos se restauram por si só. A pele clareia um pouco e o cabelo se alisa. Sua voz fica mais grave. Sua roupa também muda, incluindo a caríssima camiseta do Piramboca. Ao se olhar no espelho, leva um susto.

- Mas eu estou outra pessoa! Até a minha voz mudou!

- Tudo bem, mas o encanto dura até o final do principal campeonato. Depois tudo volta como era antes.

Edejair começa uma carreira de sucesso. Fez seu o Piramboca ser líder do campeonato e se tornar o time mais popular do país. Edejair enriqueceu e se envolveu com a atriz mais badalada entre as jovens, Tamara Day. Ficou famoso e participou de inúmeras campanhas publicitárias.

Largou a vida que tinha, pôs seus pais em uma mansão, mas rompeu com os amigos que tinha. Mas isso não importava. A fama e o dinheiro haviam colocado muitos novos amigos na vida de Edejair, que se esquecia do fim do encanto após o prazo estipulado. Mas ele não ligava, tudo parecia eterno. 

O campeonato acabou e Edejair foi comemorar com Tamara, a a namorada atriz. De repente sua aparência começou a mudar. Ao beijar Tamara, sentiu que os dentes começavam a cair.  Seu tórax se estreitou e seu tronco escolheu. A pele escureceu e o cabelo voltou a ser seco e crespo. Sua voz afinou e começou a falar como jeca. Tamara se irritou, deu um tapa e saiu do quarto, enrolada em uma toalha.

Edejair foi ao saguão do hotel retirar o dinheiro no caixa eletrônico do local e sentiu que o cartão foi rejeitado, antes de ser desintegrado no ar. Sem dinheiro, foi expulso pelo dono do hotel. Quase pelado, pois sua roupa se desfez, saiu correndo enrolado em um pano velho que encontrou pelo caminho.

Correu muitos quilômetros até a sua cidade natal, onde reencontrou seus pais estranhamente na mesma residência miserável de antes.

Soube mais tarde que Rubinaldo foi preso por corrupção e que os patrocinadores de seu time patrocinaram um golpe político que tomou decisões que impediram seus pais de terem empregos dignos. Tamara se casou com um diretor de cinema 35 anos mais velho e teve um filho com ele, vivendo uma glamourosa vida dentro de um luxuoso e distante castelo europeu.

Fim de jogo para o Cinderelo da Várzea. Decepcionado, Edejair retorna a sua rotina humilhante. Mas não sem antes ganhar uma grande lição, seu único legado nesta meteórica experiência.

Finalmente percebeu que o futebol, sem o Capitalismo e a sua inerente corrupção, é incapaz de realizar os sonhos de qualquer nativo nesta modorrenta pátria de chuteiras.

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